O Supremo e a compensação ambiental
Dias atrás, o Supremo Tribunal Federal (STF), seguindo a tendência de julgar prioritariamente os casos de interesse maior, publicou uma decisão há muito aguardada pelos profissionais do direito ambiental. Trata-se da ação que questionou a constitucionalidade da compensação ambiental, prevista no artigo 36 da Lei nº 9.985, de 2000. Foi decidido pela parcial inconstitucionalidade do dispositivo legal, no sentido de que o valor da compensação há de ser fixado proporcionalmente ao significativo impacto ambiental apurado no estudo de impacto ambiental, além de revogar o piso mínimo de 0,5% sobre o valor total do empreendimento.
Tal posição modifica a base técnica para definir o valor da compensação. Com isso, o Supremo quis dizer que o meio ambiente pode, sim, ser valorado, mas que esse valor não pode (ou não deve) ser fixado previamente em lei. Em outras palavras: a aferição de um dano ambiental envolve critérios tão complexos e variados que fica difícil para o legislador fixar um mínimo ou máximo à sua compensação – esta deverá ser garantida pelo interessado na medida da proporcionalidade do dano ambiental efetivo.
Andou bem o Supremo ao declarar inconstitucional também a base de cálculo da compensação exigida na lei, qual seja, exclusivamente o valor total do empreendimento. Isso porque há que se cogitar a hipotética situação de um empreendimento sem impactos, que tenha investido eficientemente na sua mitigação e reparação. Um piso mínimo para a compensação, nesses casos, seria um locupletamento ilícito do Estado.
Também é importante analisar se a decisão abre um precedente para questionar alguns casos em que a lei ambiental preveja situações de compensação, mitigação, reparação ou até mesmo as taxas referentes ao poder de polícia, de modo desconectado com o nexo de causalidade entre o empreendimento e o potencial dano ambiental.
Admite-se - e isso ficou claro nos votos que embasaram a decisão - a previsão de parâmetros para a atuação do órgão ambiental, a exemplo de determinados dispositivos presentes no Código Florestal - a Lei nº 4.771, de 1965. Tais parâmetros, todavia, terão sempre que guardar um nexo de causalidade entre a ação danosa, a reação (mitigadora, reparadora ou compensadora) e o bem que se quer proteger, dentro da razoabilidade e proporcionalidade. Conseqüentemente, seria possível questionar as medidas de proteção das áreas de preservação permanente e de reserva legal definidas no Código Florestal?
Tecnicamente, sim, é possível. Todavia, trata-se de uma opção feita pelo legislador, que decidiu fixar parâmetros para a proteção daqueles bens ambientais, admitindo-se, contudo, decisões discricionárias, bem como o contraditório e a ampla defesa. É inadmissível que tais parâmetros se apóiem em critérios que não guardam conexão lógica; viola o princípio da proporcionalidade, corolário do conceito de significativo impacto ambiental.
O que dizer, então, das taxas cobradas pelo exercício do poder de polícia ambiental? Há casos não raros em que, similarmente ao critério presente no artigo 36, as taxas são exigidas de acordo com o porte do empreendimento, calculado com base em critérios imprecisos, como área construída, valor investido, número de funcionários etc. A cobrança deve ser proporcional ao grau de potencialidade.
Por isso, a lei que fixar a base de cálculo para as taxas deve prever critérios proporcionais aos impactos ambientais. Porém, tais critérios devem ser precisos e objetivos, sob pena de, na prática, inviabilizar o licenciamento ambiental caso o órgão tenha que aferir, caso a caso, a proporção do impacto.
Os conceitos jurídicos indeterminados são inerentes ao direito ambiental. Por isso, a lei não é o instrumento adequado para fixar a compensação de um dano ambiental, visto que a proporcionalidade não pode jamais ser congelada pela norma. Sua aferição dar-se-á casuisticamente, de acordo com o caso concreto, sempre guardando uma pertinência lógica entre o impacto e a compensação, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.
A decisão do Supremo relativizou o poder discricionário dos órgãos ambientais, abrindo uma maior oportunidade para que o empreendedor interessado possa questionar os critérios adotados. Suprimidos os limites mínimos e máximos fixados pela norma, terá o empreendedor maior espaço para dialogar na escolha das medidas compensatórias da sua atividade, assim como, por outro lado, confere-se ao órgão ambiental a tarefa de decidir com base em critérios técnicos razoáveis e proporcionais. O ministro Carlos Minc anunciou que a nova fórmula para calcular o valor da compensação, a ser divulgada em breve, considerará os investimentos destinados a mitigar os impactos socioambientais adotados pelo empreendedor, como era de se esperar.
Concluindo, a decisão consagra os princípios da prevenção, do poluidor-pagador, da proporcionalidade e da razoabilidade ao fixar uma compensação pelos futuros e inevitáveis danos ambientais. A concretização desses princípios sempre foi uma dificuldade do legislador. Todavia, tal tarefa há que ser superada, pois, além de proporcionar segurança jurídica, trata-se do maior desafio no direito ambiental: definir em números e palavras as condições mínimas para a garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado.
Tal posição modifica a base técnica para definir o valor da compensação. Com isso, o Supremo quis dizer que o meio ambiente pode, sim, ser valorado, mas que esse valor não pode (ou não deve) ser fixado previamente em lei. Em outras palavras: a aferição de um dano ambiental envolve critérios tão complexos e variados que fica difícil para o legislador fixar um mínimo ou máximo à sua compensação – esta deverá ser garantida pelo interessado na medida da proporcionalidade do dano ambiental efetivo.
Andou bem o Supremo ao declarar inconstitucional também a base de cálculo da compensação exigida na lei, qual seja, exclusivamente o valor total do empreendimento. Isso porque há que se cogitar a hipotética situação de um empreendimento sem impactos, que tenha investido eficientemente na sua mitigação e reparação. Um piso mínimo para a compensação, nesses casos, seria um locupletamento ilícito do Estado.
Também é importante analisar se a decisão abre um precedente para questionar alguns casos em que a lei ambiental preveja situações de compensação, mitigação, reparação ou até mesmo as taxas referentes ao poder de polícia, de modo desconectado com o nexo de causalidade entre o empreendimento e o potencial dano ambiental.
Admite-se - e isso ficou claro nos votos que embasaram a decisão - a previsão de parâmetros para a atuação do órgão ambiental, a exemplo de determinados dispositivos presentes no Código Florestal - a Lei nº 4.771, de 1965. Tais parâmetros, todavia, terão sempre que guardar um nexo de causalidade entre a ação danosa, a reação (mitigadora, reparadora ou compensadora) e o bem que se quer proteger, dentro da razoabilidade e proporcionalidade. Conseqüentemente, seria possível questionar as medidas de proteção das áreas de preservação permanente e de reserva legal definidas no Código Florestal?
Tecnicamente, sim, é possível. Todavia, trata-se de uma opção feita pelo legislador, que decidiu fixar parâmetros para a proteção daqueles bens ambientais, admitindo-se, contudo, decisões discricionárias, bem como o contraditório e a ampla defesa. É inadmissível que tais parâmetros se apóiem em critérios que não guardam conexão lógica; viola o princípio da proporcionalidade, corolário do conceito de significativo impacto ambiental.
O que dizer, então, das taxas cobradas pelo exercício do poder de polícia ambiental? Há casos não raros em que, similarmente ao critério presente no artigo 36, as taxas são exigidas de acordo com o porte do empreendimento, calculado com base em critérios imprecisos, como área construída, valor investido, número de funcionários etc. A cobrança deve ser proporcional ao grau de potencialidade.
Por isso, a lei que fixar a base de cálculo para as taxas deve prever critérios proporcionais aos impactos ambientais. Porém, tais critérios devem ser precisos e objetivos, sob pena de, na prática, inviabilizar o licenciamento ambiental caso o órgão tenha que aferir, caso a caso, a proporção do impacto.
Os conceitos jurídicos indeterminados são inerentes ao direito ambiental. Por isso, a lei não é o instrumento adequado para fixar a compensação de um dano ambiental, visto que a proporcionalidade não pode jamais ser congelada pela norma. Sua aferição dar-se-á casuisticamente, de acordo com o caso concreto, sempre guardando uma pertinência lógica entre o impacto e a compensação, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.
A decisão do Supremo relativizou o poder discricionário dos órgãos ambientais, abrindo uma maior oportunidade para que o empreendedor interessado possa questionar os critérios adotados. Suprimidos os limites mínimos e máximos fixados pela norma, terá o empreendedor maior espaço para dialogar na escolha das medidas compensatórias da sua atividade, assim como, por outro lado, confere-se ao órgão ambiental a tarefa de decidir com base em critérios técnicos razoáveis e proporcionais. O ministro Carlos Minc anunciou que a nova fórmula para calcular o valor da compensação, a ser divulgada em breve, considerará os investimentos destinados a mitigar os impactos socioambientais adotados pelo empreendedor, como era de se esperar.
Concluindo, a decisão consagra os princípios da prevenção, do poluidor-pagador, da proporcionalidade e da razoabilidade ao fixar uma compensação pelos futuros e inevitáveis danos ambientais. A concretização desses princípios sempre foi uma dificuldade do legislador. Todavia, tal tarefa há que ser superada, pois, além de proporcionar segurança jurídica, trata-se do maior desafio no direito ambiental: definir em números e palavras as condições mínimas para a garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado.
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Este texto, de minha autoria, foi publicado no Jornal Valor Econômico de 12-9-08