Sunday, July 20, 2008

Titularidade dos créditos de carbono

Como fica a titularidade da Redução Certificada de Emissão (RCE), de acordo com as normas internacionais e nacionais aplicáveis e de acordo com a doutrina jurídica sobre o assunto?, especialmente as geradas por atividades de projeto hospedadas no Brasil no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e vinculadas ao Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA).
Alguns países, a exemplo da China e da Nova Zelândia, têm editado leis próprias regulamentando a titularidade das RCEs, sob o fundamento de que o Protocolo de Quioto não disciplinou essa questão. A idéia é de que o Protocolo fosse apenas um instrumento de abrangência ampla, com normas gerais, cabendo a cada país signatário disciplinar a sua execução interna da forma que lhe conviesse, pois cada país tem uma realidade jurídica, social, econômica e ambiental distinta. Assim, cada um desses países estaria livre para decidir sobre a titularidade das RCEs e quaisquer outros assuntos do Protocolo que carecessem de uma regulamentação mais precisa.
Na minha exclusiva opinião, no Brasil, a titularidade dos créditos de carbono foi atribuída à União. Isso porque cabe a ela, através da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, aprovar, em última instância, sobre os projetos de MDL, ou seja, se do crédito de carbono poderá ser gerada a RCE e consequentemente comercializada.
A Comissão poderá decidir, discricionariamente, se aprova ou não essa conversão do crédito de carbono em RCE; além do mais, o particular que consegue ter seu projeto de MDL aprovado pela Comissão ganha tão-somente o direito de comercializa-lo, ou seja, a União (através da Comissão) faz a cessão desse direito originário seu.
No meu entender, crédito de carbono e RCE são coisas distintas: um é a matéria-prima do outro. Não obstante ambos terem natureza jurídica de bens intangíveis, não se pode dizer que se trata da mesma coisa. Entendo que a RCE é o crédito de carbono pronto para comercialização no mercado de carbono. O crédito de carbono é a RCE em “estado bruto”, passível de ser trabalhada, submetida à análise dos mecanismos criados pelo Protocolo e, se aprovadas, comercializadas.
A titularidade do crédito de carbono, no Brasil foi atribuída à União. Destarte, normas federais poderão regulamentar como se dará o aproveitamento desses bens. E foi exatamente isso o que fez o Decreto do Proinfa, ao estabelecer que os créditos de carbono gerados no âmbito daquele Programa seriam do Fundo previsto na Lei do Proinfa e não do particular.
Pergunta-se: essa regulamentação não deveria ter sido feita através de lei formal? Não é necessário, uma vez que o Protocolo de Quioto entrou no Brasil com forca de lei, podendo ato do executivo regulamenta-lo.
No caso do Proinfa, cabe ressaltar que apenas as RCEs produzias no seu âmbito serão do tal Fundo. Pelo que sei, só existe até hoje uma norma que regulamente que as RCEs produzidas não são do particular autor do Projeto e isso somente ocorre com as RCE do Proinfa. RCEs produzidas fora do contexto do Proinfa serão do autor do Projeto de MDL por ausência de outras normas federais que digam o contrário. Isso porque no Brasil vigora o princípio da livre iniciativa (art. 1°, IV, da CF), i.e., enquanto não houver norma dispondo o contrário, o particular é livre para dispor dos créditos de carbono e submete-los ao crivo das autoridades visando sua transformação em RCEs.

Emissões hostóricas: mito?

Analisando, juridicamente, o conteúdo do princípio da responsabilidade comum porém diferenciada consagrado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e no Protocolo de Quioto, exponho aqui como este princípio é interpretado pelo Brasil, e como ele tem sido refutado, mais recentemente, por alguns países industrializados. Além disso, posiciono-me acerca da validade ou não deste princípio como moderno critério norteador da distribuição entre os países do ônus global de mitigar e de se adaptar à mudança global do clima, em especial no contexto das negociações internacionais para assunção de novos compromissos quantificados de redução ou limitação de emissão de gases de efeito estufa em futuros períodos de compromisso no âmbito do Protocolo de Quioto.
O princípio da responsabilidade comum porém diferenciadas está previsto pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (art. 3°, §1°), bem como pelo Protocolo de Quioto (art. 10, caput). Trata-se, mutatis mutandi, do nosso conhecido princípio da isonomia, sob sua moderna concepção de que a equidade somente será alcançada quando os iguais forem tratados de forma igual e os desiguais de modo desigual.
Ele é de fundamental importância para o sucesso da Convenção por reconhecer que os países desenvolvidos têm uma parcela maior de culpa pelas mudanças do clima do que os países em desenvolvimento. Aqueles países se industrializaram, muito antes destes, a custas dos seus recursos naturais. Ou seja, enquanto os países em desenvolvimento mantinham, de alguma forma, suas florestas em pé, os países desenvolvidos as destruíam em prol do progresso.
O Brasil defende esse princípio, pois é por causa de sua existência que, apesar de hoje sermos o 4° maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, somos responsáveis por cerca de apenas 2,5% das mudanças climáticas.
Não fosse esse princípio o Brasil estaria sendo enormemente pressionado pela comunidade internacional para adotar metas de redução nas suas emissões.
Todavia, atualmente os países industrializados, vendo países em desenvolvimento num crescimento desenfreado e insustentável (a exemplo da China e da Índia), estão lutando pela flexibilização desse princípio. Criaram a Teoria da Convergência, que diz que as emissões históricas não podem ser o único critério para definir quais países terão metas de redução dos GEEs. Sem metas, esses países estariam se distanciando do desenvolvimento sustentável, chegando ao topo dos países poluidores da atualidade. A China recentemente ultrapassou os EUA em quantidade de GEEs lançados na atmosfera. É temerário deixa-la sem metas de redução. A incongruência aqui está em não repetirmos os erros do passado.
Concordo com este princípio da responsabilidade comum mas diferenciada, que procura fazer justiça histórico, sócio, econômica e ambiental. Entretanto, a forma como ele está sendo aplicado não acho justa. O Protocolo de Quioto regulamentou sua aplicação, prevendo metas de redução apenas aos países em desenvolvimento. Cremos que todos os países deveriam ter metas de redução, inclusive os em desenvolvimento (especialmente China, Índia, Brasil e África do Sul), uns com metas mais rígidas outros com metas mais flexíveis e desde que tal obrigação não impeça que esses países continuem sendo hospedeiros de projetos de MDL.
A situação do Brasil, em particular, é relativamente confortável, pois nossas emissões são causadas majoritariamente por causa do uso inadequado do solo (especialmente o desmatamento). Portanto, trata-se de uma obrigação que o Brasil já deveria estar resolvendo, com ou sem Protocolo de Quioto. Assim, acredito viável que o país adote metas internas de redução de suas emissões, pois assim estaria dando um exemplo ao mundo de proatividade e preocupação com o meio ambiente, forçando, quem sabe, os demais países a seguirem seu exemplo. Imagine-se que a China e a Índia resolvessem seguir o exemplo do Brasil, com certeza os EUA seriam cederiam à pressão para aderir ao Protocolo. Tudo em cadeia, cujo pontapé teria sido dado pelo Brasil. Estamos perdendo uma grande chance de mudar a história.