Tuesday, August 21, 2007

Tutela dos bens ambientais

A Constituição Federal enumera, em seu art. 20, os bens da União. Destes, de interesse ambiental temos:
a) as terras devolutas indispensáveis à preservação ambiental (inciso II);
b) os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais (inciso III);
c) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art. 26, II (inciso IV);
d) os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva (inciso V);
e) o mar territorial (inciso VI);
f) os terrenos de marinha e seus acrescidos (inciso VII);
g) os potenciais de energia hidráulica (inciso VIII);
h) os recursos minerais, inclusive os do subsolo (inciso IX);
i) as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos (inciso X);
j) as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (inciso XI).
No art. 26 estão os bens dos Estados, a sabermos os de interesse ambiental:
a) as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União (inciso I);
b) as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros (inciso II);
c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União (inciso III);
d) as terras devolutas não compreendidas entre as da União (inciso IV).
Quanto aos bens dos Municípios, a Constituição não dispôs expressamente, levando-se a entender, residualmente, que são todos aqueles bens públicos que não estiverem enquadrados nos arts. 20 (União) e 26 (Estados).
Qual a importância dessa classificação? Estabelecer regras para titularidade, atuação e legitimidade. Em bens da União prevalece o interesse federal; nos bens estaduais, o interesse estadual respectivo e por aí vai.
Entretanto, é possível a atuação de um outro ente federado que não aquele titular do bem? Como para toda regra temos uma exceção, é possível. A própria Constituição prevê a competência comum (art. 23) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para:
a) proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (inciso III);
b) impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural (inciso IV);
c) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI);
d) preservar as florestas, a fauna e a flora (inciso VII).
Assim, por força do art. 23, estão todos os entes federados autorizados a atuar em defesa do meio ambiente, independentemente da titularidade do bem ambiental lesado.
Mais do que da União, dos Estados e dos Municípios, os bens ambientais são de natureza difusa (commune omnium), ou seja, busca-se, assim, tutelar o patrimônio comum de todos (art. 225 da Constituição) e não o patrimônio de determinada pessoa jurídica de direito público.

Monday, August 13, 2007

Uma Lei para o Dia Mundial Sem Carro

Dando seguimento à postagem anterior, gostaria de continuar uma discussão que vai ser tema de uma polêmica em breve, especialmente no município de São Paulo.
Como alguns devem saber, a sociedade civil paulistana iniciou um movimento intitulado “Nossa São Paulo: Outra Cidade”, com o qual pretende transformar Sampa num exemplo de cidade sustentável e cidadã para o Brasil, nos moldes de Bogotá, Barcelona, Sydney, etc.
Um dos pontos altos desse movimento dar-se-á no dia 22 de setembro, com o Dia Mundial Sem Carro; uma iniciativa que já ocorreu em outros anos.
Contudo, preocupados com a pouca adesão da população nos anos anteriores e com a descontinuidade da iniciativa nos demais dias do ano, o Movimento estuda a possibilidade de encaminhar um Projeto de Lei (PL) à Câmara prevendo sanção administrativa (multa) para aquele que não aderir ao movimento na data prevista.
Ou seja, no dia 22 de setembro, salvo algumas exceções que deverão ser objeto do PL, quem não deixar seu carro em casa será multado pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).
Apesar da boa-vontade de todos, técnica e juridicamente falando, creio que tal lei seria inconstitucional, pois estaria, uma lei municipal, impedindo o uso da propriedade privada. Note-se que esse PL em nada se assemelharia com a lei paulistana de rodízios de carro. Neste último exemplo, não há limite ao uso da propriedade, mas, tão-somente, uma restrição: o motorista não pode conduzir em um determinado local da cidade, dentro de um determinado horário e apenas uma vez por semana. É bastante diferente do que o PL propõe.
Mas, voltando à postagem anterior, será que a vontade popular, consagrada na Constituição como originária de todo o poder do nosso Estado de Direito, não seria capaz de dar constitucionalidade a esse PL?
Foi exatamente isso que ocorreu em Bogotá: realizou-se um plebiscito para ver quem era contra ou a favor de uma lei que instituísse sanção para quem burlasse o Dia Sem Carro. A maioria votou a favor e a lei foi aprovada sem discussões.
Será que aqui no Brasil conseguiríamos, mesmo que por plebiscito, uma lei assim, ou a rigidez hermenêutica da técnica legislativa não iria permitir?
Afinal, a voz do povo, exercida de modo legítimo, organizado e civilizado, está acima da Constituição?

Tuesday, August 07, 2007

Vox populi, vox Dei

Quero, neste texto, analisar um dos instrumentos de exercício direto da vontade popular, previsto na Constituição Federal. Trata-se do plebiscito, que é uma consulta prévia que se faz ao povo antes de uma lei ser submetida a aprovação do Congresso, com o objetivo de aprovar ou rejeitar o seu conteúdo.
Considerando que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Art. 1º, Parágrafo único, da Constituição Federal), qual o limite para essa vontade popular?
Estaria a vontade do povo limitada às regras constitucionais, ou, apelando para o Direito Natural, vox populi vox Dei (a voz do povo é a voz de Deus)?
A vontade popular, exercida de modo legítimo, organizado e civilizado, teria o condão de legitimar um projeto de lei inconstitucional?
Não pretendo discutir questões de hermenêutica jurídica, até porque estou longe de me considerar como tal; minha intenção é discutir a possibilidade de aprovar uma lei que, sob o puro ponto de vista técnico, seria fadada à inconstitucionalidade.
Que lei é essa? Porque estou falando de Direito Constitucional neste blog de Direito Ambiental e Urbanístico? Veremos na próxima postagem. Por enquanto fica só a provocação.